terça-feira, 17 de março de 2015

Francisco Costa Rocha, O Chico Picadinho



História

O pequeno Francisco Costa Rocha nasceu em 27 de abril de 1942, filho de Francisco e Nancy. O pai exportador de café, poderoso e bem sucedido tinha um casamento “oficial” e seis filhos, mas caiu de amores pela extrovertida e alegre Nancy.

Francisco era homem rigoroso, enérgico, violento e extremamente ciumento. As brigas entre ele e Nancy eram constantes, e certa vez ele chegou ao extremo de ameaçá-la de morte. Antes de dar a luz a Francisco, Nancy já havia provocado dois abortos impostos pelo amante.

Nesse clima de rejeição Francisco não teve uma infância fácil. As indas e vindas do pai eram constantes, o tempo que permanecia na “filial” da família em Vila Velha era escasso e os sentimentos do menino pelo pai oscilavam entre a adoração por aquela figura poderosa e elegante e raiva pelo abandono e rejeição constantes. Apesar de ter sido registrado com o mesmo nome do pai, não pode ter acrescido ao sobrenome “Filho” ou “ Júnior”.

Aos 4 anos de idade sem entender a doença pulmonar que acometera sua mãe e a repentina ruína financeira da família, Francisco foi levado para morar com um casal de empregados do pai em um sitio bastante isolado. Cercado de animais que nunca tinha visto, entre jibóias, porcos, gatos e galinhas, em um ambiente que depois descreveria com “sinistro”, Francisco era chamado de “endiabrado e encapetado”. Criança solitária, vivia pelas matas que rodeavam o local.

Não faltaram traquinagens na infância do menino. Sempre curioso e inquieto, matava gatos para testar suas sete vidas e observava os resultados, ora enforcando-os em árvores, ora afogando-os em vasos sanitários. Apanhava bastante e uma vez quase perdeu a mão, ao ser punido com lambadas dadas com as costas de uma faca que o acertou sem querer com o lado errado.

Depois de dois anos vivendo com o casal de empregados, dona Nancy voltou para buscá-lo. Foi um momento estranho, pois o menino Francisco mal se lembrava daquela mulher que se dizia sua mãe. Juntos, foram para Vitória.

Francisco sofreu de enurese noturna até os 5 ou 6 anos. Seu nariz sangrava constantemente, sofria de asma e de pavor noturno.

A mãe tentou de tudo para manter o sustento da família. Trabalhava como cabeleireira e costureira, mas sua inclinação em se envolver com homens casados e bem de vida perturbava bastante o filho. Ela mantinha o caso por algum tempo, enquanto o menino se distanciava, evitando qualquer relacionamento com aqueles estranhos que iam e vinham de repente.

No colégio de padres em que iniciou seus estudos, as dificuldades não foram menores. Era briguento, desatento, dispersivo, irrequieto, indisciplinado e displicente. Detestava fazer lições de casa, e a dificuldade em matemática lhe causaria problemas até a vida adulta. As figuras de batinas pretas também o assustavam, depois que o famoso “aluno problema” foi chamado na sala do diretor para ser repreendido. Ali, encostado na porta, viu outro menino no colo do padre. Sem entender o que estava acontecendo , mas com uma sensação de constrangimento e vergonha saiu sorrateiro e permaneceu sempre receoso de que acontecesse com ele a mesma coisa. Depois de repetir a quarta série, foi convidado a mudar de escola.

Passou a estudar em uma instituição estadual, onde cursou a quarta e quinta série. Prestou exames no Colégio Americano e passou. Seu relacionamento com os colegas e professores se complicou quando, por influência de um tio, declarou-se ateu. Perdeu a namorada, ganhou olhares desconfiados e antes de terminar o ano, abandonou os estudos.


Dona Nancy não sabia como controlá-lo. Era mais amiga do que mãe. Francisco vivia então muito tempo na rua, aprontando, pondo fogo em coisas, invocando o diabo, pesquisando sobre vampiros, perseguindo assombrações, mergulhando no mar bravio, enfim, matando a curiosidade de tantas perguntas sem respostas que sempre rondavam sua imaginação.

Na adolescência, sempre era o menor da turma com a qual andava. Nas “brincadeiras de menino”, muitas vezes foi subjugado para troca de carinhos sexuais e, entre pauladas e pedradas, acabou se acostumando.

Tentou arrumar trabalho e até conseguiu alguns, mas não tinha a persistência necessária ou a orientação e autoridade da mãe para permanecer muito tempo em um emprego. A vida livre, na rua, era muito mais interessante. A ‘juventude transviada” corria solta naqueles anos, e Francisco logo formou com os amigos o Clube Sentapua. Juntos, aprontavam pela cidade, entrando como penetras nos mais chiques casamentos da alta sociedade, bebendo muita cuba-libre, pegando “emprestado” carros para rodar sem rumo e depois os devolvendo aos donos, divertindo-se entre as aventuras, pequenas transgressões e enrascadas.


O maior sonho de Francisco, aos 15 anos, era ser marinheiro. Não conseguiu. A mãe chorou, esperneou e gritou diante da possibilidade do filho mudar-se para Santa Catarina, onde cursaria a Escola Naval. Não autorizou a viagem do rapaz.

Aos 16, mudou-se para o Rio de Janeiro com a mãe e seu companheiro, a quem Francisco reconheceria como padrasto num relacionamento que se manteria pelo resto da vida.

Ao completar 18 anos, resolveu que seria paraquedista. Alistou-se na Aeronáutica e logo pediu transferência para São Paulo, onde ficou alojado no Campo de Marte. Foi recruta por seis meses, passando depois para a Infantaria, onde trabalhava na parte administrativa. Fazia pagamentos e servia café. Ali conheceu um técnico americano, Mathias, especialista em galvanoplastia. Foi seu cicerone por São Paulo e Rio, desfrutando de jantares no Restaurante Fasano e na Churrascaria Rubayat, entre outros.

Depois da partida do amigo texano, que queria levá-lo para os Estados Unidos, Francisco pensou em continuar na carreira militar e seguir na profissão de mecânico de aviação, apaixonado que era pelas engrenagens. Mas a falta de disciplina novamente foi decisiva na escolha.

Tentando resolver essa instabilidade interna, a falta de rumo e a autoridade que permeava sua juventude, Francisco tentou ainda entrar para a Polícia Militar. Não foi bem-sucedido.

Olhando anúncios de jornal, encontrou o emprego que lhe proporcionaria bom salário e liberdade: representante de vendas da Gessy Lever.

A vida itinerante pelo interior do estado e a solidão logo foram aplacadas pela bebida, que rapidamente se tornou um vício, quando, por dificuldade em cumprir a meta de vendas, foi demitido.


Francisco tentou então a carreira de corretor de imóveis. Ganhava bem, alugava um apartamento no centro da cidade e passou a trabalhar para viver os prazeres que almejava. Sem horário fixo, divertia-se em bares, freqüentava teatros com passe livre cedido por parceiros sexuais, lia Nietzsche e Dostoiévski, experimentava todo tipo de droga e participava de orgias noturnas com mulheres diversas. A agressividade sexual que lhe dava prazer se acentuava cada vez mais.

Chegou a enamorar-se de algumas mulheres, mas elas logo queriam firmar compromisso, e isso Francisco não aceitava. Certo de que não queria se comprometer com alguém pelo resto de seus dias e avesso ao controle que logo as namoradas pretendiam exercer, preferia a companhia de mulheres da noite, que, como ele, se divertiam com bons programas e não exigiam nada mais que a conta paga por ele.


Em uma dessas farras, em 1965, foi atropelado no cruzamento da avenida Rio Branco com a avenida Ipiranga e teve a sensação de desmaio por alguns segundos, mas não sofreu nada mais grave que um ferimento na perna. Logo voltou à vida normal.

Dividia um apartamento no oitavo andar de um prédio na rua Aurora com um amigo chamado Caio, médico-cirurgião da Aeronáutica , que estava enfrentando grande instabilidade no casamento e usava a quitinete de vez em quando. Com esse amigo, Francisco foi assistir ao filme O Colecionador, história de um rapaz solitário que, em sua obsessão por uma mulher, a aprisiona no porão de sua casa e a sevicia até a morte. O filme rendeu longas conversas e análises entre os dois.

As noites começavam no Bar Pilão e acabavam no Ponto Chic, no largo Paissandu, que ficava aberto madrugada afora e onde muitos boêmios de São Paulo terminam a noite até hoje.

Ponto Chic

Ponto Chic

Ponto Chic

Ponto Chic

Ponto Chic, dias atuais.

Os amigos de Francisco já tinham comentado com ele sobre uma boêmia de nome Margareth Suida. Ela era austríaca, natural de Kroterneuburg, bailarina, separada e atendia como massagista para melhorar o orçamento. Tinha 38 anos de idade. Segundo alguns frequentadores do bar, ela era boa de copo e de papo.

Primeiro Crime

Naquela terça-feira, 2 de agosto de 1966, Francisco conheceu a tão falada Margareth. Era uma mulher bonita, vestia um conjunto de saia e blusa azul e por cima uma capa de náilon cinza-chumbo de gola branca, amarrada na cintura. Ficaram ali no bar jogando conversa fora, falando sem compromisso.

Já bem tarde da noite, ele a convidou para ir ao seu apartamento, onde tinha a intenção de esticar o prazer.

Francisco se lembra pouco dos acontecimentos que se seguiram. Eles aparecem em sua memória como flashbacks, sem que tenha uma sequência de fatos definida. Pode-se chegar a algumas conclusões por meio do laudo nº 14.985/66, referente ao levantamento do local de encontro de cadáver realizado pelo perito criminal Adolpho Viesti.

Pelas roupas de Margareth sobre o pé da cama e sua lingerie colocada na poltrona, ela ficou nua de livre vontade. Os lençóis estavam desalinhados, e os cinzeiros cheios de bitucas de cigarros de duas marcas diferentes. Pela quantidade de cigarros que foram encontrados ali, consumidos por duas pessoas, horas se passaram antes que Margareth fosse morta.

A relação sexual que tiveram deve ter seguido o padrão de violência que Francisco descreveria como sendo habitual com “certos tipos de mulher”. Margareth apresentava várias mordidas perto dos seios e do pescoço, além de um hematoma no nariz.

Nasceu em Klosterneuburg, na Áustria, em 1928. Ela veio ao Brasil em 1954 com o marido, Wolfgang Suida, que pretendia trabalhar na indústria automobilística em São Paulo. Pouco tempo depois da chegada do casal ao Brasil, ela e o marido se separaram. Margarethe Suida passou a ter um vida irregular. Tornou-se massagista e bailarinha numa casa noturna conhecida por Avenida Danças, na "Boca do Lixo" de São Paulo. Margarethe Suida falava cinco línguas e tinha um gênio irascível. Ao ser morta, tinha 38 anos. Foi enterrada como indigente. 

Um dos primeiros flashbacks de Francisco foi o de seu avanço sobre a vítima com as mãos nuas em direção ao pescoço para estrangulá-la. Segundo seu relato, os dois “arriaram” no tapete, ao lado da cama, enquanto ela desmaiava.

A próxima memória dele é sobre o cinto com o qual enforcou Margareth, terminando de matá-la. Francisco alcançou-o com apenas uma das mãos, mas não se lembra de onde ele estava. A fivela do cinto ainda com vários fios de cabelo da vítima, ficou largado no chão do quarto perto da penteadeira. Seus brincos foram encontrados embaixo da cama.


O impulso seguinte que ele teve foi ir até o banheiro, mas não conseguia encontrar a chave, que escondia cada vez que levava uma mulher em casa com medo de ser roubado. Depressa, sentindo-se preso, oprimido, desmontou as dobradiças com uma chave de fenda e as deixou juntamente com os pinos em cima da mesa de centro.

O flashback seguinte é do arrastamento da vítima até o banheiro. Francisco se lembra de ter pensado que precisava se livrar do corpo e de tê-lo puxado firmando as mãos nas axilas da bailarina, que não era uma pessoa muito leve. As marcas de sangue em curva no chão, que vão do quarto para dentro do banheiro, indicam que Francisco começou a mutilar Margareth ainda sobre o tapete, ao lado da penteadeira, onde provavelmente tirou sua vida. Se ele a tivesse feito sangrar apenas quando estivesse dentro da banheira, o arremate de metal do carpete na entrada do banheiro não estaria cheio de sangue, nem as marcas de arrastamento poderiam ter sido feitas. O indício final que alicerça essa suposição foi a tesoura deixada sobre o criado-mudo ao lado da penteadeira, que estava manchada de sangue.

Já no banheiro, Francisco colocou o corpo de Margareth na banheira, de barriga para cima. Com uma gilete, retirou seus mamilos e começou a retalhar o corpo de sua vítima. O processo a que submeteu o cadáver da mulher estaria mais próximo de uma dissecação do que de um esquartejamento.

Banheira onde a bailarina Margareth Suida foi esquartejada por Chico na Rua Aurora.

Banheira onde a bailarina Margareth Suida foi esquartejada por Chico na Rua Aurora.

Suas partes moles, como seios e músculos, foram recortadas e removidas; ela foi eviscerada. Sua pelve foi também retirada. Esse estrago ou retirada das partes femininas da vítima é chamada de desfeminização.

Francisco tentou se livrar de algumas vísceras jogando-as no vaso sanitário, mas mudou de ideia no meio do processo. Foi até a cozinha e pegou um balde de plástico, dentro do qual começou a recolher cada recorte que fazia.

Balde plástico com seios e vísceras da vítima


Quando terminou de descarnar boa parte da frente do corpo da vítima, Francisco a virou de bruços, ainda dentro da banheira. Dissecou a metade direita das costas e arrancou um pedaço das nádegas.

Armas brancas encontradas na cena do crime.

A confusão de pegadas de sangue encontrada no banheiro permite deduzir que o criminoso entrou no recinto e saiu várias vezes. Os vestígios de pegadas dos pés descalços não obedeciam a uma sequência de um caminhar normal.

No chão do banheiro estava o cinto sem fivela, com o qual Margareth foi estrangulada, outro cinto de couro marrom e uma gravata. Todas essas peças, embebidas em sangue. Sobre um estrado de madeira estava uma mala. Dentro dela, alguns livros, desenhos exóticos e pornográficos. Sobre a pia estava o anel de Margareth, provavelmente retirado por Francisco antes de iniciar a carnificina.

Na perícia do local do crime foi feito um exame minucioso do corpo da vítima. Foram constatadas mutilações generalizadas, evisceração parcial e ferimentos incisos e pérfuro-incisos. As regiões atingidas eram as seguintes: dorsal direita, glútea direita, perianal, parte anterior do pescoço, torácica, abdominal, pubiana, coxa esquerda, braço e antebraço esquerdos. No punho direito da vítima uma atadura cobria uma recente tentativa de suicídio, ainda com a sutura.

Margareth Suida

Margareth Suida

Margareth Suida

Margareth Suida

Margareth Suida

Embaixo do ombro de Margareth, dentro da banheira, foi encontrada uma faca de cozinha. Sobre a borda da banheira estava a gilete utilizada, ainda manchada de sangue.

De repente, Francisco começou a voltar a si e a sentir extrema repulsa pelo que havia feito. Perplexo com seus atos, limpou-se com o álcool que estava na garrafa em cima da mesa do quarto e vestiu-se rapidamente. Horas haviam se passado, já anoitecia, e ele tinha marcado um jantar com Caio.

Na hora em que o médico chegou a rua Aurora, Francisco já o esperava no térreo. Falou para o amigo que tinha um problema, que bem- humorado, perguntou:

"É dinheiro ou mulher?"

Francisco respondeu que dessa vez o assunto era sério, que havia uma pessoa morta lá em cima. Pediu que Caio não subisse e que não contasse nada à polícia até que ele se entregasse, depois que fosse ao Rio de Janeiro tranquilizar sua mãe sobre os fatos que se sucederiam e arrumasse um advogado.


Assustado ele acreditou no amigo. Combinaram que Francisco ligaria na casa da sogra de Caio, dando notícias no dia seguinte à noite. O médico saiu dali rapidamente, pensando em como se livraria da enrascada em que se havia envolvido.

Depois de muito pensar, chegou a conclusão de que não tinham muitas alternativas. Não havia dúvidas de que nas investigações seu nome se tornaria público, assim como as escapadas extraconjugais que aconteciam na quitinete. Era melhor que ele mesmo contasse à esposa e, com ela, resolvesse o que fazer.

O casal foi procurar um amigo delegado para se aconselhar. Este sem perda de tempo levou-os para a delegacia e denunciou o crime.

O responsável pela investigação foi o delegado de homicídios doutor Antônio Strasburg de Moura, que chamou imediatamente o Instituto de Polícia Técnica, solicitando a realização de exames no local.

Na noite seguinte, Francisco cumpriu sua promessa de telefonar para o doutor Caio na hora combinada. O delegado Strasburg estava lá, e depois de muita conversa, conseguiu o telefone de onde ele falava. O número pertencia ao Hotel Regente no Rio de Janeiro.

Francisco Costa Rocha foi preso em 5 de agosto de 1966. Já tinha conversado com um advogado, mas não com sua mãe. O delegado Strasburg ao chegar onde ele estava escondido, falou:

"Eu sou de São Paulo e acho que o senhor sabe por que estou aqui. Sou da delegacia de Homicídios".

Francisco respondeu:

"Pois não, tudo bem".

Sem reagir, o assassino que já havia conquistado a primeira página dos jornais foi levado para a 3ª Delegacia de São Paulo.

No dia 19 de outubro de 1976 o jornal informou que Francisco da Costa Rocha continuava solto.

No dia 29 de outubro de 1976 o noticias populares destacou a prisão de Chico Picadinho do RJ.

O noticiário popular trouxe a explicação do assassinato para a morte da bailarina em 11 de agosto de 1976.

Francisco foi interrogado, mas não conseguiu apresentar um motivo para o assassinato que cometera. A polícia também desconfiava que o médico Caio havia sido cúmplice, pois os cortes no corpo de Margareth pareciam ter sido feitos por alguém com prática anterior.

Nos processos da época, consta a declaração de Francisco de que estrangulou e esquartejou Margareth Suida porque desejava dar vazão a raiva que sentia da própria vida.

A bailarina, segundo consta no interrogatório, lembrava a mãe do criminoso, que, abandonada pelo marido, vivia em companhia de um estranho. Além disso, Francisco disse que tinha a sensação de que sua potência e virilidade diminuíam, aparecendo em seu lugar um sentimento mórbido pela violência, que se expressava em apertar-lhe o pescoço e morder-lhe. O assassino teria perdido o controle, ao ser rejeitado e ridicularizado ao tentar fazer sexo anal com Margareth.

Francisco Costa Rocha foi condenado a 18 anos de reclusão por homicídio qualificado, mais dois anos e seis meses de prisão por destruição de cadáver. Posteriormente teve sua pena comutada para 14 anos, quatro meses e 24 dias.


Até 1972, cumpriu pena na Penitenciária do Estado. Ali fez supletivo de 1º e 2º grau, lia muito e era preso de confiança, trabalhando diretamente com a diretoria. Recebia muitas visitas, e foi a época de sua vida em que ficou mais assistido.

Uma visita que recebia com freqüência era a da amiga Catarina, com quem acabou se casando ainda quando estava preso. Com ela imaginou uma vida ideal, fora da situação prisional.

De 1972 até 1974, Francisco cumpriu pena na Colônia Penal Agrícola Professor Noé Azevedo, na cidade de Bauru.

Livre Novamente

Em junho de 1974, oito anos após ter cometido o primeiro crime, Francisco foi libertado por comportamento exemplar. No parecer, para efeito de livramento condicional expedido pelo então Instituto de Biotipologia Criminal, foi excluído o diagnóstico de personalidade psicopática e estabelecido que Francisco tinha personalidade com distúrbio de nível profundamente neurótico. Obteve progressão penal e então sua única obrigação era apresentar-se em juízo, a cada 90 dias, para anotação na carteira de preso condicional.

A vida conjugal caiu na realidade da rotina e logo começaram os desentendimentos. Francisco foi trabalhar na Editora Abril, na divisão de volumes. Continuava a ser bom vendedor, mas junto com o dinheiro veio a vontade de voltar para a boemia.

Gradativamente, foi chegando cada vez mais tarde em casa, voltou a beber e passou a dormir na sala. Para complicar, Catarina engravidou e exigia do companheiro uma vida mais regrada. Sem conseguir “endireitar” o marido, o casamento acabou em separação ainda em 1974. A filha do casal nasceu em 1975.

Francisco começou a viver em pensões, hotéis baratos e apartamentos alugados ou emprestados. Voltou a usar drogas e mudou de emprego algumas vezes por conta da inquietude e da frustração que passaram a permear outra vez sua vida.

Quando morou no bairro Liberdade, conheceu Berenice, por quem teve o que chama de “paixão carnal”. Com ela também teve um filho, mas isso não impediu que Francisco se entregasse cada vez mais aos programas da Boca do Lixo em São Paulo. Era a fase do sexo, drogas e rock’n’roll.

Zona do Meretricio Paulista

Sta. Efigênia ou Luz

Em maio de 1976, novamente sem ter onde morar, Francisco procurou Joaquim, seu antigo amigo e fiador. Apesar de ter conhecimento de seu crime anterior, Joaquim deixou que Francisco ficasse em seu apartamento durante algum tempo, até que arrumasse uma nova moradia.

Em 13 de setembro de 1976, a empregada doméstica Rosemeire, de 20 anos, conheceu Francisco na Lanchonete Elenice, onde ele a convidou para acompanhá-lo ao hotel Carnot, juntamente com mais um casal.

Enquanto estavam tendo relações sexuais, Francisco começou a ter um comportamento bastante violento. Mordeu sua parceira várias vezes, além de tentar esganá-la. Segundo o depoimento da moça, ela desmaiou, e quando voltou a si percebeu que Francisco tentava morder a sua “veia do pescoço”.

Ao levantar-se, sangue escorreu por entre suas pernas. Fugiu do hotel sem demora e procurou atendimento médico no pronto-socorro da Santa Casa de Misericórdia. Ali, por meio de exames feitos por médicos e investigadores do hospital, ficou constatada agressão no útero por instrumento pérfuro-cortante desconhecido, tentativa de estrangulamento, além de mordidas pelo corpo. Rosemeire, que estava no início de uma gravidez, perdeu o bebê. Em 15 de setembro foi instaurado um processo contra Francisco Costa Rocha por lesão corporal dolosa.


Entre a saída da prisão e a fatídica noite de outubro de 1976, quando Francisco cometeria seu segundo crime, ele mesmo notou a escalada de violência em que se encontrava. A cada relação sexual que praticava, seus instintos sádicos estavam mais exacerbados. Por volta de meia dúzia de mulheres sentiram a agressividade dos “quase” estrangulamentos, mas como a excitação sexual por privação de oxigênio (hipoxifilia) é prática comum em relações sadomasoquistas, não reclamaram. Quando a condição sádica é severa, e quando está associada ao transtorno da personalidade antissocial, o indivíduo pode ferir gravemente ou matar suas parceiras. Francisco sabia que esse dia não estaria longe.

Segundo Crime

No dia 15 de outubro de 1976, uma sexta-feira, Francisco conheceu Ângela de Souza da Silva, 34 anos, também na Lanchonete Elenice, na esquina da Rua Major Sertório com a Rua Rego Freitas. Ângela era uma prostituta acusada de roubos e furtos, que utilizava sete nomes diferentes: Benedita Ozório de Souza, Suely de Souza Silva, Sonia da Silva, Maria de Souza, Sonia Aparecida de Souza e Sonia Aparecida dos Santos. Para Francisco, apresentou-se como Suely.

Foto da Ângela de Souza da Silva encontrada morta e esquartejada na Rua Rio Branco em 1976.

Ficaram durante toda a noite bebendo em diversos bares, pois Francisco sabia que só poderia usar o apartamento em que estava morando depois das sete horas da manhã, horário em que Joaquim já teria saído para trabalhar e o terreno estaria livre para a farra combinada.

Entraram no prédio da Avenida Rio Branco por volta desse horário, fato confirmado pelo porteiro do edifício. Francisco agiu então com os mesmos requintes de sadismo e crueldade do seu crime anterior. Ângela foi morta por estrangulamento quando, sob o corpo de Francisco, mantinha com ele relações sexuais. Ao perceber que ela havia morrido, deu-se conta do que fizera e das conseqüências daquele ato para sua vida.


A primeira providência por ele tomada foi à tentativa de esconder o crime. Da mesma forma que fizera no crime anterior, arrastou o corpo inerte até o banheiro, munido de uma faca de cozinha, um canivete e um serrote. Novamente, começou a retalhar o cadáver, extirpando os seios, abrindo-o pelo ventre, retirando as vísceras e jogando-as no vaso sanitário. O plano não deu tão certo... o encanamento entupiu.

Armas brancas encontradas na cena do crime. 

Vaso sanitário onde, o coração e a peruca de Ângela foram encontrados.

Francisco então percebeu que, dessa forma, não conseguiria se livrar do corpo da vítima. Resolveu recomeçar, dessa vez picando tudo bem miúdo, para que o transporte fosse facilitado.

O esquartejamento continuou, então, na parte da cabeça. Retirou os olhos e retalhou a boca para diminuir o tamanho do crânio. Logo Francisco descobriu como seria difícil seu trabalho. Segundo seus depoimentos posteriores, nunca havia sido açougueiro ou trabalhado em hospitais. Como não sabia secionar o corpo corretamente, usou sua força muscular e o serrote. Dessa vez, picou a vítima.

Ângela de Souza da Silva

Ângela de Souza da Silva

Ângela de Souza da Silva

Ângela de Souza da Silva

Após ter secionado os membros de Ângela, abriu a água do chuveiro, lavou as partes do corpo na banheira e acondicionou-as em sacos plásticos. Francisco acredita que levou entre três e quatro horas “trabalhando” no corpo de sua vítima. Dividiu os sacos com as partes do corpo numa mala verde de viagem e numa sacola xadrez. Colocou tudo na sacada do apartamento, com medo de que Joaquim chegasse mais cedo e testemunhasse seu crime.

Mala onde torso de Ângela foi encontrado. 

Malas e sacolas com pedaços de Ângela. 

Partes do corpo de Ângela. 

Cansado, sentou-se no sofá e adormeceu. Em algum momento do sono, lembra-se de ter ouvido a campainha tocar insistentemente, mas não se levantou para abrir a porta.

Do outro lado estava Joaquim. Já eram 15h30 quando ele chegou ao apartamento, mas Francisco havia passado a trava na porta e ele não conseguia entrar. Resolveu ir até a casa de um sobrinho, fazer um pouco de hora para depois voltar.

Apartamento onde Ângela da Souza da Silva foi encontrada morta e esquartejada em outubro de 1976. 

Francisco acordou somente perto das 18h30. Tinha a sensação de não realidade que acompanha o despertar de um pesadelo. Chegou à conclusão de que se conseguisse arrumar um carro com algum conhecido, viria buscar a “bagagem” e sumiria com as provas do crime. Prostitutas não eram muito procuradas pela polícia quando desapareciam. Deixou um bilhete para Joaquim, que dizia: “Amigo, viajei, obrigado.”

Procurou o antigo colega da penitenciária de Bauru, Rogério, que lhe poderia emprestar uma arma, mas não o encontrou. Não achou também outro companheiro, dono de um Dodge Dart, carro que pegaria emprestado para levar a mala, a sacola e os sacos plásticos até o rio Tietê, onde Ângela desaparecia para sempre.

Enquanto isso, Joaquim retornou ao apartamento. Ao entrar no banheiro encontrou tudo muito molhado, além de o feltro da enceradeira estar encharcado, largado no chão. Recolheu-o e resolveu colocá-lo para secar na sacada.

Ao abrir a porta do terraço, Joaquim encontrou uma mala, uma sacola e vários sacos plásticos. Abriu para ver o que era e, a princípio, pensou que se tratava de peças de um manequim. A ilusão durou pouco. Atônito, percebeu que estava mexendo com partes de um corpo de verdade, brutalmente retalhado. Lembrou-se do primeiro crime de Chico e mais do que depressa chamou a polícia.

Enquanto isso, Francisco, sem conseguir realizar seus planos e com a certeza de que seria preso novamente, tentou voltar ao apartamento para livrar-se das provas do crime, mas percebeu o carro de remoção de cadáveres na frente de onde morava. Resolveu fugir enquanto era tempo. Por volta das 20h deixou para trás a Avenida Rio Branco, fato depois confirmado pro uma conhecida prostituta que por ali passava. Francisco teria dito a ela que iria viajar.


No dia seguinte, estava no Rio de Janeiro. Da Central do Brasil embarcou em um trem e foi até Japeri. Durante o trajeto, pensou seriamente em se jogar pela porta e acabar com a vida, mas lhe faltou coragem. Voltou para a Central do Brasil e passou a noite na Praça Mauá, dormindo na marquise de um edifício antigo.

De manhã, viu seu nome e fotografia estampados em todos os jornais. Perdido, misturou-se a multidão que subia nas barcas e rumou para Niterói. Pretendia ficar em um hotel por ali, mas o Presidente Geisel estava na cidade, em visita oficial, e com isso havia ali inúmeros policiais.

A vida de Chico Picadinho até os crimes que cometeu foi contada pelo NP em 24 de outubro de 1976.

Dez anos após o primeiro crime o desenhista Francisco da Costa Rocha voltou a matar em SP.

No dia 19 de out de 1976 o jornal informou que Francisco da Costa Rocha continuava solto.

Mudou seus planos e foi para a praia de Icaraí, mas não achou lugar para ficar. Perambulou até encontrar uma gruta segura, na praia de Ingá. Depois de sobreviver alguns dias catando marisco, tarefa que aprendeu com um pescador local, ficou sem dinheiro. Resolveu voltar até Niterói para vender o relógio, mas o negócio rendeu pouco dinheiro.

Sua única chance de escapar seria sair do país, mas para isso tinha de encontrar um velho amigo de cela que poderia ajudá-lo: Baianinho Charlatão, que ficava sempre pelas redondezas da Praça do Pacificador, em Duque de Caxias.

Deu certo. Baianinho Charlatão já sabia de tudo pelos jornais. Os dois conversaram e o velho amigo se desculpou por não poder levar Francisco para sua casa, onde a esposa certamente reconheceria o famoso foragido. Prometeu arrumar dinheiro para ele, que seria entregue às 10 horas do dia seguinte, no mesmo local.

Preso Novamente

Em 26 de outubro de 1976, Francisco Costa Rocha foi preso pelo detetive Amadeu Vicente logo depois de encontrar-se com o amigo que iria ajudá-lo a escapar. Nunca ficou claro se Baianinho Charlatão era informante da polícia ou não. Nos bolsos de Francisco, agora já chamado por todos de Chico Picadinho, encontrava-se o comprovante de uma passagem de ônibus da Viação Cometa do dia 16 de outubro, para as 23h58. Voltou para São Paulo num avião fretado pela Secretaria de Segurança Pública do Estado e foi recebido na 3ª Delegacia pelo doutor Erasmo Dias.

Em seu julgamento, a defesa afirmou que o motivo dos assassinatos não fora torpe, justificando que Francisco sofria de insanidade mental e seus crimes eram conseqüência da perturbação do réu. Alegou também que aquele era um homicídio simples, sem dolo, pois o motivo da retaliação do corpo da vítima não era sua ocultação e sim o transe de perturbação mental do momento. A acusação discordou, obviamente.

Foi apresentado também um laudo de sanidade mental de Francisco Costa Rocha, realizado pelos renomados psiquiatras doutro Wagner Farid Gattaz e doutor Antonio José Eça. Eles o consideraram semi-imputável e deixaram expresso que se tratava de “ portador de personalidade psicopática de tipo complexo (ostentativo, abúlico, sem sentimentos e lábil de humor), que, em função direta dela, delinqüiu”. Apresentava “prognóstico bastante desfavorável, congênita que é a personalidade psicopática. Esta manifesta-se cedo na vida, e não é suscetível a nenhuma espécie de influência pela terapêutica, conferindo, no presente caso, alto índice de periculosidade latente.”

Francisco, vulgo “Chico Picadinho”, foi condenado a 22 anos e seis meses de prisão, em um resultado controverso. O veredicto de culpado não foi unânime: quatro jurados votaram sim, três votaram não.

Multidão acompanha Chico Picadinho em depoimento dado à policia em são paulo em outubro de 1976.




Vítimas de Chico.

Em 1994, foi emitido outro laudo pelo Centro de Observação Criminológica, agora para avaliar a sua progressão para regime semiaberto. O diagnóstico foi “personalidade psicopática perversa e amoral, desajustada do convívio social e com elevado potencial criminógeno”. Indicaram que Francisco deveria ser encaminhado para Casa de Custódia e Tratamento, a fim de ser mais bem observado e acompanhado de forma mais satisfatória. Seu pedido de progressão penal foi negado.

Casa de Custódia de Taubaté, onde Chico Picadinho está.

Em 1996, novamente foram negados os pedidos de progressão de pena feitos pela defesa e de sua conversão em medida de segurança, pela promotoria. Sua permanência na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté foi autorizada, para acompanhamento psiquiátrico e relatório médico a cada seis messes.

Em abril de 1998, no ano em que Francisco deveria ser libertado, a Promotoria de Taubaté entrou, na 2ª Vara Cível da cidade, com uma ação de interdição de direitos e obteve liminar. Para isso utilizou um decreto de 1934 que prevê a interdição de direitos na área civil para pessoas com problemas penais.

Francisco Costa Rocha continua preso na Casa de Custódia de Taubaté, onde já cumpriu sua pena, mas não foi solto por estar “despreparado para viver em sociedade”.




Pelas leis brasileiras, ele deveria ter sido libertado em 1998, depois de cumprir a pena. Na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que concedeu a interdição, pesou o medo de o crime se repetir. A realidade é que Francisco só poderia continuar preso se fosse considerado psicopata, mas, nesse caso, deveria estar em um hospital psiquiátrico, e não em Taubaté.



Existe discussão entre o conceito jurídico e psiquiátrico de doença mental. O diagnóstico de personalidade psicopática ou transtorno de personalidade antissocial implica a semi-imputabilidade, na qual inclusive o preso tem direito à diminuição de pena sem ser obrigatoriamente internado, já que não é considerado doente mental. O problema é que, apesar de o portador desse transtorno entender o caráter de seus atos, ele não consegue controlar sua vontade. Dessa forma, a probabilidade de reincidir é extremamente alta e sua periculosidade indiscutível.



Quando em 1984 houve mudança de lei, ficou impossível aplicar, para um mesmo preso, medida de segurança e pena, o sistema denominado duplo binário. Todos os condenados assim passaram a cumprir apenas pena restritiva de liberdade, o que significa ficar por no máximo 30 anos em instituição prisional.

A curiosidade jurídica, neste caso, é que é a Justiça Civil, e não a Criminal, que está impedindo a libertação de Chico Picadinho.

Entrevista


Em entrevista exclusiva para o Vale Paraibano na Casa de Custódia em Taubaté, ele garante que está recuperado e que está pronto para recomeçar.

Vale Paraibano - Você saiu recentemente pela primeira vez desde 76 para visitar sua família em Campo Grande (RJ). Como foi esta visita?

Francisco Costa Rocha - Bem significativa para mim. Um passo adiante que eu dei no sentido de demonstrar que eu posso exercer domínio sobre meus atos. Fui sem algemas, em carro aberto, com um agente penitenciário, um motorista e uma assistente social.

VP - Quem você visitou no Rio?

FCR - Minha mãe, que está com 80 anos de idade.

VP - E seus filhos?

FCR - Eles estão em São Paulo com minha ex-mulher. É um casal. Uma menina de 25 e um menino de 23 anos.

VP - Eles vêm visitá-lo aqui?

FCR - Não. Eles não têm vindo me visitar. Depois que eu sair vou procurar estabelecer contatos. Traumatiza ter um pai que cometeu crimes assim tão brutais e marcantes.

VP - E como foi rever sua mãe?

FCR - Há cerca de 10 anos a gente não se via. Foi uma emoção, principalmente na chegada e na saída. Uma visita inesquecível e fez um muito bem, tanto para mim quanto para ela.

VP - Quando você sair daqui você pretende viver com sua mãe?

FCR - Até o último dia de minha vida. Ela está viúva, inválida. Precisa ser cuidada dia e noite.

VP - A sua mãe te perdoou?

FCR - Foi a primeira pessoa a me perdoar. A primeira a quem pedi perdão. Através do tempo surgiu um remorso, um arrependimento. Se bem que de início surge uma revolta contra você mesmo por ter cometido um ato assim tão abominável. Esse ódio vem contra você de tal modo que você fica entre a cruz e a espada. É um tormento. Depois o remorso. Em mim ocorreu a partir do momento que eu me voltei para Deus.

VP - Refletindo esse tempo na prisão o que você acha que o levou a cometer os crimes?

FCR - Tem muito a ver com a neurose, fruto de uma falta de sentido que a gente pode ter em determinados períodos da vida. Meu primeiro crime, por exemplo, eu tinha 24 anos de idade, era jovem. Existia a falta de sentido da vida, por causa de bebidas e drogas. Uma forma de fuga.

VP - Que tipo de relação você tinha com suas vítimas?

FCR - Elas faziam parte da vida noturna. Pessoas também com seus problemas que afogam na bebida, no sexo, na vida irresponsável. Não havia afeto. Nesse tipo de crime a afetividade inexiste, pelo menos no meu caso. Eram pessoas que eu conheci naquela mesma noite em que aconteceu.

VP - Como você vê sua situação penal?

FCR- Eu acho uma situação absurda, kafkiana. Porque se eu tivesse saído agora e apresentado um comportamento irregular com necessidade de ser contido, aí sim a família tomaria providência e eu iria para instituição. Mas meu caso não é de doença mental, são distúrbios de personalidade que me levaram ao crime. Minha faculdade mental está normal, conservada. A única coisa que se apegam para pedir minha internação é a questão da periculosidade latente, ou seja, o potencial que você tem para prática de determinados atos. Como um carro que tem X potência, mas não quer dizer que vá usá-la.

VP - Você cumpriu a primeira pena, foi solto e voltou a matar. Que garantias você daria que essa periculosidade latente não iria se manifestar novamente?

FCR - Ela poderia aflorar em situações semelhantes às anteriores. Teria que estar na vida noturna, sem sentido de vida, fazendo uso de bebidas, me dedicando a relacionamento sexual promíscuo. Teria que estar no centro de uma cidade como São Paulo. Uma área com um cenário dos crimes. No primeiro eu tinha 24 anos e no segundo 34. Hoje eu estou com 58. Muita coisa mudou. Mudei fisicamente e interiormente. No primeiro eu estava drogado com anfetaminas, já dependente do uso de bebida. Eu estava no bar, estava bebendo. Ocorreu o crime e eu não sabia explicar a mim mesmo. Fui preso em apartamento em Copacabana no Rio e assumi imediatamente. É como um sonho, um pesadelo. Quando fui preso senti alívio. Por isso na viagem que fiz nem passou pela minha cabeça fugir, porque eu já vivi este drama. Não quero viver assim.

VP - Na época você fazia o que?

FCR - Eu era corretor de imóveis.

VP - E hoje, saindo da prisão, o que você vai fazer? Investir na pintura?

FCR - Não como meio de vida, ganha pão. É uma terapia. Eu amo a pintura. Eu não viveria dela inicialmente.

VP - Mas hoje você vive dela.

FCR - Aqui sim. Eu vendo três, quatro, cinco quadros em um mês... Em outro vendo apenas um. O dinheiro é para meus gastos, sobrevivência. O primeiro passo é ir para casa. Há dois anos eu saberia o que fazer. Meu padrasto era vivo e tinha um armazém fechado que eu poderia estabelecer um comércio qualquer. Mas ele morreu e entrou em espólio. O que existe da minha parte é uma predisposição de encarar qualquer coisa.

VP - Sua vida daria um livro?

FCR - Vários. Tenho propostas nesse sentido. Para contar histórias sobre a prisão, escrever sobre São Paulo na década de 60. Eu servi na Aeronáutica na renúncia de Jânio, na revolução de 64. Posso contar como era São Paulo naquele tempo. Tudo mudou hoje

VP - Tem esperanças de sair em breve?

FCR - Lógico. Minha luta é essa. Cumpri minha pena em 7 de junho de 98. Em 95 vim para cá porque pedi regime semi-aberto. Porque não me deram medida de segurança ao invés reclusão? Não satisfeito o Ministério Público pediu ao Tribunal de Justiça minha internação. Me pegou de surpresa. Ninguém esperava isso. Vem alvará de soltura, assino e não vou em liberdade, permanecendo preso ilegalmente. Quero mostrar que estou no meu estado normal, que eu sei me nortear. Tenho consciência do que eu cometi e tenho pagado por isto todos estes anos. Saio com confiança em Deus.

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